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quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Vidas nas esquinas: paus e narrativas


Esqueci de vos contar um a-parte que o Poirot cabo-verdiano me contou. O seu saldo criativo já ultrapassa o limite do campo de possibilidade; ele navega no limite da fronteira dos possíveis do minimamente aceitável. Gosto do Poirot por simples facto de usar a narrativa vulgar para nos contar história. Ele é um subversivo da melhor espécie. Um detective urbano capaz de estar em vários sítios ao mesmo tempo, escutando, vendo, analisando e especulando com alguns saldos de exagero muitas peripécias urbanas.
De ar meio sonolento confessou-me que tivera experiencias incríveis com alguns moradores do bairro. De olhos postos na cana de Ribeira Seca que o meu primo Ano Novo me ofereceu, o Poirot começara a deambular nas «imaginações verdadeiras» que assistiu enquanto passeava no precioso instante numa das ruas em Vila Nova. Era coisa para perguntar ao Henri de Bresson sobre os instantes de um click. Começou a narrativa dizendo o seguinte: “Sabes, tenho memória de uma passagem verídica que aconteceu numa das esquinas de Vila Nova. O José Rui, conhecido por Tchoi, encontrava-se a aquecer o arroz de cócoras e a dialogar para o conteúdo comestivo: «oh arroz so ca bu fuma… a-mim m ta fuma abo bu ta fuma modi qui nu ta fica go….» Repetia-se sequencialmente, no mesmo tom, a mesma frase, com a beata de paguinha numa das mãos e a apreciar o conteúdo da frigideira. Na outra esquina, o Pedro di Fogo de D. Maria, antigo policia, vomitava torrencialmente para o chão, gravitando sons de afronta e de desejos: «vinho ta sai mas grão ca ta sai… vinho ta sai mas grão ca ta sai…» entre os dentes, diastema, jorrava o vinho suculento e umas réstias de grão de bico. Mais para frente os netinhos de vovó (antecessores dos thugs da praia city) roubava na casa de Nha Tonga. Nas ondas cartesianas do Tchoi e do Pedro ouvia-se o debate de gamanço dos ladrões de circunstâncias. «Oh Fernando abo ta roba a-mim m ta roba modi qui nu ta fica go…» repetia-se a mesma frase, numa discussão interrompida por Candé com o bastão na mão e um grito de alerta para a justiça Fafe em acção. Como era de costume, a Eletra fazia das suas: electrão geral. Negrume na paisagem e na violência. Os malandros foram surpreendidos por candé e um grupo da comunidade. Paus nas costas, no lombo… tudo e mais alguma coisa. Nem o sinal de alerta: «candé é mi flano»- ajudou no “podrocinio” (lê-se paus nas costas). As costas dos netinhos de vovós ficaram com bordões que pareciam tábuas de lavar roupas.”

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