Tudo pronto para a entrada em cena. O Zebedeu cumpre a promessa de fazer viajar o público no leito do silêncio e da introspecção. Um chio suave varre o auditório. Silvos nos ouvidos e risos contagiantes invadiram o Mindelact. A plateia aplaude. Era o Zebedeu a assobiar para o vazio. Mal vestido, de ar espantalho, embriagado, penetra no holofote do palco. A claridade ofusca-o, amarra-o, para o desabafo do momento; a confissão de um badiu que está com medo de viver na Cidade. A narrativa começa no seu corpo; terrivelmente agastado e sofrivelmente fora de si. De semblante pesado no olhar oco, seco e emotivo, Zebedeu chora para dentro de si. Foge com os pés e as mãos para o vazio. Carrega no peito o desespero da contemporaneidade. A elasticidade e opacidade da rotina quotidiana, a fermentação e a banalidade do crime. O seu corpo treme. As frases emergem de recortes acompanhado de suspiro e de goles em seco. A voz do Zebedeu é a voz do momento. A gargalhada contida no seu jeito meio sério, meio malandro. Entra em cena com a corneta. A famosa cornetona simbólica da cultura popular. Recria Louis Amostrong, com o famoso “when the saints go marching home.” Silêncio. Um chio… com corneta na mão direita se escuta a voz que vem de dentro de si:
“Para-pa-pa, para-pa-pa…ah minha corneta linda. Não vale tocar para o permeio, se o barulho nos invade em cada momento. Ah minha corneta… nos meus passos, sinto que ninguém nos escuta. Os seus sons celebram a morte, o silêncio e a indiferença dos outros. De governantes, claro, já nem se fala… as vozes são o silêncio. Na troca passo da dança urbana, no esquiar e no esquivar de uma bala cuspida pelo bicho, o meu corpo sacode como bara-pau. Em cada esquina, ouve-se vozes ocultas. Vozes de tons graves e frias… afiadas como punhais… que ferem o âmago de nós. Ouve-se as palavras de ordem: vou-te matar filha da mãe… estas na ponta da minha navalha… na boca de “boca bedju”…. [silêncio e um suspiro]. Ah cornetona… ah nha cornetona [mudança de discurso para crioulo].
Ami dja-m bai nha caminhu. Praia sta perigu nhor dés! Hei, hei… Ca sta cau mora. Ami m-sta bai nha caminhu fora. Pelu menos lá m-ta obi grilo ta cri-cri-cri… galo ta cocoró… Na Praia dia sim-dia sim, m-ta obi boca bedju bram, pah… gritu ta toma conta zona… morti na vizinhança. Nha coraçon sta pertadu di dor. M-ta tremi moda bara-pó. Ayam… fronta dja toma conta tchada. Ami é ca cutubembem pam sicundi na terra, nem ca chibinhu qui ta ragala odju… dentu casa ca sta cau sta… pamodi bandidos ta bai mata dentu casa… Hei, hei… pachencha propri… Pamodi nhor dés? Ami Zebedeu m-ca fasi nada… nha vida é trabadjo, casa e um pinga di vez em quando. Ayam… [pausa e um penetrante olhar para o público]. Depois continua com o pulsar do envolvente. Entra a tabanca com o entoar da música: “nha cornetona el é tamanho, é ta pupa rixo, é ta tchoma povu…” nha povo labanta voz nu dixi ribera, nu subi praia cu bandera pretu e brancu. Preto é di luto, di afronta nha guentis… bandera branco é di paz e di speransa.
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