Terça-feira, dia das movimentações- fora de comum na cidade da Praia. Movimentações de pessoas, num antro de confusões, que ninguém atinava o tamanho arguto da incompetência na Cidade. Nas torneiras, o precioso líquido continuava um bem raro, as bocas sedentas, os corpos lamacentos emergiam camadas de sal nas faces, nos pescoços, e cheiros nauseabundos a catinga dos pretos e pretas dos bairros. Os atrevidos, orgulhosos de tez clara, conhecidos pelos mestiços, sentiram a dor da miséria e das porcarias impostas. Alguém comentou numa taberna, próximo da minha casa, que os homens alimentavam a descrença na política e nas promessas de mais águas e luzes com o grogue «fedi» de Nho Ivo de Vila Nova. Engraçado a forma como o Neto contava a sua narrativa que envolvia o precioso líquido de Nho Ivo: “certo dia, um senhor, vinha de Assomada, pedira um dez de grogue na taberna de Nho Ivo, e depois desatava aos murros para os transeuntes; então, a partir daquele dia, o grogue de Nho Ivo ficava conhecido pelo Mike Tyson.”Neto, rapaz brejeiro do bairro, reflectia sobre tudo e mais alguma coisa: da política, do futebol, das gajas boas… fazia sentido, beber o espirituoso líquido para provocar o stress colectivo: todos aos murros, para a felicidade geral.
Eram 9:00. Na rua principal, em frente da taberna de Nho Ivo, parava o autocarro da Moura Company. O Neto estava na paragem, juntamente com um grupo de thugs do bairro. O cheiro a bolor reinava na Praia City, podridões dos contentores, podridões dos sovacos, e outras podridões do palácio do governo. Os cães andavam a solta, a Josefa gritava para a Firmina que se encontrava na outra margem, o José bebia cautelosamente de um recipiente. O autocarro parava estrategicamente para acolher o Neto, os thugs e duas prostitutas. O Pedrinho era o motorista de serviço. Naquele dia, nem tudo era mar de rosas, nem uma mais uma era dois, nem o contrário da vida era a morte. O Pedrinho matutava sobre, a vida, a colectividade construída de ilusões, de mentiras, de expedientes; sabia que um país sem água e sem luzes não havia felicidade e progresso que durasse; sabia que a escassez de bens básicos traíra a vida de muitos trabalhadores da terra; sabia que a economia da imagem que algumas pessoas se sujeitam, só traria confusões e mais apetites.
No autocarro ouvia-se a música de blik tchutchi, “cu formiga cu tudu gosta” num tom suave e inquietante para o contexto social que se vivia. Um contexto de crise, de descredito total, da imundice e de paranóia colectiva. A crise chegou a classe média, as bombas de abastecimento de combusteis fecharam as portas, fileiras de bocas e mãos seguiam para o Palácio do Governo. Bóias, latas, de todas as cores acompanhavam as pessoas; os recibos da Alectra, também, eram menção de protestos. Coros de protestos faziam-se ouvir em vários pontos da Capital. Não era a luta de classe que fazia sentido mas a luta pela sobrevivência.
O autocarro segue para Safende, “tchetchenia”. Começava a parada Praiafornication. (continua).
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