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domingo, 29 de maio de 2011

O grito e a escultura da memória – 2


Eu não pude conter a minha emoção, corri para a esquina leste, bem longe do fatídico, com as mãos nos ouvidos, crepitando de soluços. O meu corpo era a sensação de frio e fogueira na alma: frio por ser incapaz de trazer a vida do nosso Malcom X de volta; de fogueira, era a raiva que conquistava o meu ego a cada momento. Dava jeito ser o super-herói, a materialização das imaginações, pelo menos naquele momento, trazer o Pedrinho de volta.  
O grito não era mais do que um sinal do bicho de boca de ferro. Boca bedju, nome estúpido, como era a pessoa que a inventou. Na troca dança da eficácia do bicho, tal era o gozo por parte das pessoas sobre a boca bedju; de fabrico artesanal, de forma grosseira, fugidia era capaz de fazer justiça com o próprio dono. Reza a história nalguns bairros que a boca bedju tinha mordido alguns dos donos. É como se costuma dizer, o feitiço virou contra o feiticeiro. A falha na engrenagem do dispositivo, a boca bedju era capaz de tanta insanidade e frieza.
Com a morte do Pedrinho, as dúvidas dissiparam-se; acabara de ser posta a funcionar a engrenagem que a partir daquele momento ninguém duvidaria da sua eficácia. Ninguém poderia travar o jacto mortífero, surdo e mudo, do bicho.  Um mecanismo sem dó e piedade, que implacavelmente e inapelavelmente, levava as vitimas como a morte procurava o tal que fingia ser outra pessoa.
O grito voava para o horizonte, com ele, levou o homenzarrão do Pedrinho. O tempo era um mau conselheiro? Talvez não. Mais tarde ou mais cedo seria a fatalidade. O Pedrinho era um altruísta de corpo e alma. O que ele mais queria era a paz social no seu bairro. O que aconteceu, sem qualquer aviso prévio, testemunhara a repulsa e a propulsão para outra dimensão. O lugar de Pedrinho não era ali, na terra de ninguém, mas sim, com as estrelas à acalmar a lua que andava escondido nas nuvens. A sua memória governará o destino do bairro para sempre. Na memória colectiva ficará lacrada a mensagem e a sua imagem de Malcom X. Um profeta e um pastor que queria mudança no bairro.
A sua alma transformara numa escultura da memória que edificara traços por traços, os sinais traçados no papel, página após página, o altruísmo e a imponência do seu corpo. Naquele dia, até os grilhos entraram em quarentena. Nem um pio se ouvia. O vento era forte, com a massa de ar pesado, levava qualquer vivalma penada para o inferno. As pessoas se recolhiam no muro, viam para o céu o cruzar das estrelas d’alma de Pedrinho.

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