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quarta-feira, 27 de abril de 2011

Smile. Há um thug em ti


Cidade da Praia, 22:00. Na minha rua, na rua de ninguém, de «não lugar», lugar de trânsito, de evasão e de roubo. Cheira a torresmo e a imundice. A droga e o álcool reinam, num coquetel, de palavreados intimidatórios, de lutas e vinganças, onde entram a política, a polícia e os gangues rivais. O quadro sociopolítico reinante fere a autoridade, a harmonização social. Os jovens estão de costas voltadas das autoridades oficiais e familiar. Os grupos de amigos constituem palcos para novos recrutamentos para a «bandidagem». Não querem saber, querem fazer. Alguém vai ter que pagar. O corpo é que paga mesmo que a cabeça tenha ou não juízo.
O problema social é grave. Realmente, muito preocupante. Nunca a juventude, em Cabo Verde, é tão criticada. Mas de quem é a culpa? Tenho a consciência de que andar a ceifar vidas aos nossos irmãos, de assaltar os cidadãos para saldar o vício consumista, não é correcto. A consciência pesa mas na hora da renúncia à tentação… a coragem falta. A adrenalina do mal sobe a cabeça do diabo, o caçu bodi safado que esquarteja a liberdade e a personalidade da nossa gente. É a persistência do diabo, o vírus maligno que fere o cromossoma e a plaqueta sanguínea, induz com o garfo do mal para o desespero de muita gente. É o paradoxo do bem e do mal, é a alquimia da brutalidade, da droga e da ignorância. Mas se amor com amor se paga, também de sangue com sangue se paga, com muitas vidas, os sofrimentos das famílias e a patologia da sociedade.
Na minha rua mora pessoas honestas, pais de família que labutam todos os dias, mas também drogados, putas, traficantes… o caldeirão da urbanidade fodida pelos novos rostos do mal faz parte do quotidiano da Cidade da Praia. Os rapazes da esquina de olhares suspeitos falam de tudo, num cochicho que muitas vezes mete medo. As intensidades das conversas variam consoante a onda cartesiana da desconfiança e de olhares suspeitos. Putos da casa, de família estruturada e de família desestruturada, há de tudo nos thugs. Graúdo há que se especializam nos joguetes da subversão urbana. É difícil caracterizar quem é quem. Já se fala de thugs de colarinho branco e thugs dos bairros. O primeiro é o protegido do sistema e os outros vão para a sargeta das prisões. 
Na estrada ouve-se uma bateria de sons dos MC Malcriado. O som invade o ambiente com trechos pedagógicos, invocando Cabral e as boas maneiras comunitárias. Sons fortes, dançantes, mas também de regato, e introspecção, que nos teletransporta para o triângulo da bermuda dos tempos idos, de sacrifícios e da morabeza. A construção social da morabeza está morta. Agora constrói-se o thug, o «tipo ideal» dos gangs do tio sam. É o preço da tradução dos maus hábitos que sempre caracterizou o cabo-verdiano. É a primeira nação crioula do mundo, sempre em trânsito, absorvendo de tudo, desde que venha do ocidente, com marca de MTV, o TVRecord entre outras medias. Os bad boys of the street actuam à «boa maneira americana» e à galera do Rio de Janeiro. Corpos ritualizados, estetizados, georreferenciando experiências transnacionais, nos seus andares, no palavreado do gueto, nas tatuagens reveladoras de novas geografias onde encontram cunhados doxas do amor, da rebeldia, dos ídolos, do misticismo… o som dos MC Malcriado voa para outra margem. Agora tudo está sereno. Como sempre a electra obriga-nos a usar cafuca, velas, lanternas, enfim tudo serve. Ouvi dizer que na electra reina mais electrão do que protão, daí os sucessivos falhanços da corrente eléctrica. Como não há energia os thugs ficam satisfeitos. A rua torna-se num covil para presas do costume, caçu body, yeah!
Na deambulação urbana, é costume encontrar pessoas estranhas que te deixa impaciente. Não só, vagabundos que pululam pela cidade mas também, inocentes que não tem onde para dormir. Pela noite adentro, encontro com uma criança que se dirige para mim dizendo: «thug, thug…». Um menino sujo, de chinelo, insistentemente com sorriso na cara, de jeito sorrateiro: «És thug?». Pergunta maluca, dada a normalidade da questão social que os grupos organizados sugerem. Parece que é normal ser thug nessa terra. Será que o puto queria vestir a camisola dos thugs, ser famoso ao ponto de ser convidados para o jantar e uns copos com a burguesia da cidade? Ser amigo de thugs é sinónimo de protecção, para a obtenção de informações privilegiadas. Os thugs tornaram-se o engodo dos poderosos desse país. Verdade crua e nua.
Todos nós somos alguma coisa. Somos a caldeirada da nossa própria existência com as suas virtudes e defeitos. Evidentemente, que nem todos de nós somos iguais. Uns fazem parte de lasanha do sistema, sorvedouro das normativas e disciplina partidária; nessa lasanha não há espaço para o contraditório, tudo é aceito como sim senhor, tudo bem, muito obrigado.
Trata-se da disciplina do corpo que foulcout fala na sua obra o corpo e a punição, ser obediente para que o corpo tenha recompensa. As consequências desta sanha introspectiva de barriga cheia são várias. Posso apontar alguns aspectos: roupas de marca, carro, corpo limpo e cheiroso (alguns nem tanto, trata-se de assunto cultural) e cabeça oca. Como não faço parte dessa amostra, navego na tendência da subversão, munido de armadura de salvação e da integridade, o sentido crítico. Os que pensam pela cabeça e não pelas circunstâncias sofrem de silêncios gritantes. Faz-me lembrar do nho Sanção da ilha Fantástica de germano Almeida que morre de soluço por não ter ninguém que o ouvisse. Os inconformados são poucos, uma peça rara. Outros, claro os “outros” até parece que deixaram de ser cabo-verdianos, são apelidados de thugs. O quê? Thugs. Trata-se de novos rebeldes, de style e de fetiche, que lutam na mata urbana como underground. Com este nome, o vocabulário cabo-verdiano ficou mais rico. Depois da presença inglesa na cidade do Mindelo, com os boys e outros palavreados, cá chegam novas tendências da terra de tio sam: os thugs. No imaginário colectivo, esses novos, ausentes-presentes de neologismo e estrangeirado traduzem o padrão da nova vaga dos subversivos, obtusos, problemáticos da malha urbana. Pelos vistos, a coisa já virou moda nas conversas formais e informais. Debates televisivos, teses, serões de tertúlia, de promessas de campanha, de joguete sujo e fedorento, bafo do sistema. Por falar em tertúlia passo a bola à Suzano Costa.
Não me perguntem porque sou assim. Não sou. Nós somos, isso sim. A vida é um tabuleiro de ir-racionalidade, de improvisos, e de acasos. Não interessa se é um tabuleiro de dama, xadrez ou o da comerciante ambulante infestada de moscas atraídas pelo pão com doce. Musicando a vida ao ritmo de mundo ka bu kaba, as danças eram sempre consoante o toque. Agora os ritmos são todos confusos que já não se respeitam a harmonização da música com a dança. Vale a pena viver na rosca-rosca da vida, que sabura meu deus. O meu tio catchas quando driblava a corda da guitarra pensava no inconveniente do mundo acabar. Não se preocupem porque tudo está de pedra e cal como a ruina da cidade velha. Por falar da Cidade Velha, nunca vi tamanha promiscuidade, meu deus. A principal testemunha de violações das escravas, a justiça nunca funcionou, e funciona? Os filhos das violações estão ali, presentes na fila indiana à espera do saque. O saque urbano. Mas de quem é a culpa? Passo o transporte para outra freguesia. Na plataforma onde a linha é recta/torta com o buraco negro deixado pelas estrelas da vida. No betão do enclave da vida as bocas sopram o silêncio e o grito da revolta. Meu deus, o filho da vizinha foi morto. A arma foi comprada com o dinheiro da campanha legislativa. O cheiro do boka bedju fede que nem o esturro do sistema. Tapar o nariz não nos vale, meu deus. Pois, a podridão está instalada. Que venha o papa bento para levar o cheiro.
No ar cheira a canalhada. A caravana passa numa verve colectiva de trocadilhos para uns tostões. Quando a fome e a miséria apertam, mais vale a suavização do estômago com os contitos para o pão e a sopa porque com o fim do carnaval ninguém leva a mal. É pura verdade minha gente. Já é momento de pararmos para pensar sobre o destino a dar a nossa colectividade. Não pode ser. Pelos visto a culpa nunca morre solteira, enquanto virarmos costas as nossas responsabilidades. Na campanha, toda gente foi conivente. Acharam piada, porque ninguém queria perder a pitada da tamanha prostituição social e intelectual. A justiça morre cega e o prato da balança foi roubado pelo Merengue, o mítico ladrão do nosso imaginário. Justiça coxa, cega e prostituta não serve para nada, atrasa, tece e fura o nó da coesão colectiva.
Não me mandem calar só porque fui mordido pelo cão com raiva. Mais vale ser mordido do que ser picado pelo tsé-tsé. Que venha OMS porque minha gente está na letargia colectiva. Pairam o ronco ensurdecedor que até acordou o Monte Cara. Faltam acordar as nossas referências identitárias que se encontram petrificado de tanto dormir. Acorda, vulcão de Fogo! Onde está o pico d’Antónia?… Acordem, minha gente é o momento da vigília. Peguem na cafuca e vamos à luta. Convoquem, também, os marinheiros, as estivas, camponeses; levantem os mortos das revoltas, de capitão d’ambrósio e Ribeirão Manel. O encontro é na pasárgada com destino ao córtex do nosso húmus. Revolução da Mente, já.
O oráculo de Nho Nacho dizia ali bem tempu da desorganização social, do capitalismo desorganizado de Lash e Urry com as consequências nas nossas vidas. O consumismo ferrenho, com perda nas referências identitárias e nos valores…..  a barbaridade e o estado anómico pesa mais na nossa consciência do que o tempo da escravatura. Tudo porque somos o corpo presente da nossa experiência. Actualmente a segregação do tecido social é ponte assente. Não basta cobrir o sol com a peneira. O problema é que tende a alastrar-se para as comunidades rurais e colonizar as outras ilhas.  Que saudades daquele tempo da comunidade onde as pessoas viviam e ajudam-se mutualmente. Perdeu-se o djunta mó para o individualismo gritante, “eu, eu, eu…”Arre a solidariedade que suba as montanhas da morabeza.   
A vitória enquanto colectividade, com a independência, deve servir como elemento catalisador dos nossos desafios para o futuro. Não devemos esquecer o desiderato da construção nacional fundado na solidariedade, trabalho, desenvolvimento social, espiritual, económico e técnico da nossa colectividade. O uso de poder, como meio de diálogo e de influência, enriquece a participação colectiva, favorecendo a cidadania. O contexto da sociedade de conhecimento tem trazido más práticas em que os do topo da coroa fazem uso do conhecimento como forma de aumentar o poder e a malfadada coacção dos da base da coroa. A vaga da incerteza que se vive actualmente é a prova cabal do egoísmo e da ânsia de lucro por parte da burguesia sem escrúpulo. O pior é que se cria um círculo vicioso que faz de nós os escravos do sistema. O Estado social chora na rua de amarguras. Daqui a pouco seremos todos electrocutados e «sanguessugados» pela burguesia da Pensilvânia, com os seus “queridos gostos a sangue: plaquetas sanguíneas”. O desequilíbrio social é a conquista do milénio. Viva o milénio! Vou viver para Utopia.
Em Cabo Verde há burguesias instaladas que comem, comem e descartam com salgadinhos. São os senhores do poder, os finórios de costume, hibernam, e só acordam na época de campanha. Criaram umas espécies de sociedade secreta, delineando estratégias para ganhar os concursos públicos, sugando o MCA, forjando os compromissos de campanha com truques estatísticos e jantarada para os bobos da corte.
O que mais me preocupa é a postura daqueles que tem responsabilidades na gestão do país que exploram esses grupos sem identidade, sem valores, sem modelos de referência nacional, importando comportamento desviantes para sacudir e desapertar o nó da nossa construção nacional. Os thugs vivem na ilusão de uma utopia de estado paralelo, protagonizando ruptura com os valores padrões que regem a nossa sociedade, forjando uma consciência de si, per si inexistentes, traduzido em pensamento político pouco estruturado. É urgente acabar com a promiscuidade política, assumindo as nossas responsabilidades como pessoas colectiva de bem, para arranjar melhores condições, digo melhor política, que apague da memória as quezílias urbanas.
Quando a luta subir o plateau e os arredores do palácio, centros políticos e legislativo, agora é que a porca torce o rabo. O mundo está cheio de, exemplos de chacinas em massa por parte de grupos desestruturados, em contínuo, conflito interno. É necessário políticas públicas de integração, de responsabilização, de atitudes pró-activa face ao nosso colectivo. A solução passa pelo desenvolvimento comunitário e na criação de condições estruturadas que se mostre estruturante para os desafios que se almejam.

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