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quinta-feira, 25 de agosto de 2011

O homem-só


É o Homem-só. Nunca o vi falar com alguém. Nunca o vi acompanhado, a não ser por sonhos e silêncios. É o homem-só deambulando pela cidade do Porto. A sua coordenada é simples, lugares-comuns dos outros anónimos da cidade: o Palácio de Cristal, o marginal do D’ouro, Avenida da Boavista … São os lugares do silêncio e da inquietação. Anónimos em trânsito, de mil rostos, vozes e palavras. Andantes da cidade que vagueiam por um sonho e por uma concretização.
O Homem-só faz parte do meu quotidiano. Vejo-o no Palácio do Cristal, aceno-o com as minhas mãos invisíveis. Aceno-o, com a covardia de não o poder falar. O meu olhar blasé, controlado pelo tempo e afazeres, tem condicionado a minha aproximação. Quando chego a casa, o meu corpo pesa e o pensamento balança e contrabalança. A imagem nítida de Cabo Verde que me dói a alma e o calafrio demente sufraga qualquer sofrimento. É o preço de não poder mudar os rumos das coisas.
Na cidade do Porto amontoam-se mendigos pelas ruas. É o Deus-graça de não constar nesse mapeamento. As coisas apertam-nos em golpes certeiros. De um gole, um sofrimento. Sonhos desfeitos e crenças no imaginário sem concretizações. A cidade grita e pula de momentos tóxicos. A Imigração tóxica está vivo que nem a válvula de Tchernobil e japão. Tristezas amontoam-se, alimentando falsos sorrisos amarelos. Tudo dói.
O Homem-só deambula pela cidade do Porto. Logrou-o sonhos bons… como muitos, o homem-só experimenta migração tóxica. A toxidade que petrifica o corpo e a mente. Ele anda por ali, sempre cioso de uma finta no destino. Quiçá, ganhar euromilhões. Enquanto isso não acontece, só se vislumbra vértices aguçados, pedregulhos, punhais e a indiferença. Talvez foi ele que inventou a lei da gravidade. A narrativa dele é uma história de descaso e fracassos. O poder de concretizações perdeu na história do tempo. Da infância em África, talvez de São Tomé e Príncipe; o príncipe sem pátria. Apátrida que vagueia para o não-lugar. Perdeu o seu lugar em África, o seu lugar antropológico que o orgulha. Agora não, está no espaço em trânsito; terra de ninguém e de todos.
O homem-só é de pequena estatura, cabelo afro, peitoral forte, cara fechada. Nos seus olhos vogam névoas, num semblante pesado e doloroso. De pasta na mão, leva os sonhos e a vergonha de querer ser outra pessoa. Os meus amigos mais próximos já o abordou algumas vezes. O homem-só dizia que era engenheiro, licenciado em filosofia, gestor… (continua).

2 comentários:

  1. Valeu meu;) Parece que estava a percorrer a Invicta a cada linha do teu texto.

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  2. Bali Mr.Vadaz. Kel abraço e muito obrigado pela vista.

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