Num contexto de crise, de imobilismo e de utopia malvada. Para ser sincero, esta mal pena não tem nada de malvada, pelo contrário, é uma viagem não desenhada por mim mas pelo Pedrinho, Malcom X dos direitos urbanos. O zoom do Pedrinho mostra a fluidez do seu pensamento, do cérebro coçado de tanto sofrer calado.
No bairro cheira a bolor, moscas enfestando tudo quanto é sítio. A parada do bicho cruza o universo do bairro e o universo da cidade; dias longos, lá se vão, um, dois, três… e as vozes do precioso líquido, nada. O cheiro nauseabundo torna uma normalidade. As vozes do vento tornam-se mais forte. Os silvos fazem-se ouvir nas margens transcontinentais. Gritos de solidariedades teclados na Net; remessas trocados com beliscões simbólicos por causa da gestão da coisa pública.
As folhas de notícias do dia entraram para os antros da Rap-pública. O filme “branca de neve” faz sentido no contexto de tantas vozes e nenhuma imagem: vozes na esquina, vozes nos ouvidos, vozes na Net, num contexto de tamanha esquizofrenia colectiva.
O Pedrinho é a única pessoa capaz de trazer a imagem e as vozes de volta: reconstruindo o “branca de neve”, trazendo bocas e braços tímidos de corpos remanescentes, de sorrisos fingidos, de amizades verdadeiras, da justiça popular em movimento, de destruição de fronteiras sociais, golpe no mito do intocável. No “get on the bus”, Pedrinho traz as vozes marginais, as vozes hiper-reais num trapézio de saltimbancos de narrativas verdadeiras.
A história começa. Marcha na cidade, Praia City; 3 horas de tarde no bus trans-urbano da empresa Moura Company. Pedrinho é o chauffeur de serviço. Só há um autocarro em actividade por causa da crise de combustível. Homem valente, de dois metros de altura, em bom jeito crioulo: “mó tamanhu, pé tamanhu, rostu grandi, voz stridenti, di sorrisu fácil, gargalhada contagianti, rebeldi di gema”, enfim um pecador de boas causas. Neste dia, o Pedrinho não quer saber da prestação de serviço na empresa onde ele trabalha. Como vamos ver, o Pedrinho foge a norma institucional da Empresa. A parada começa na linha Safende com um grupo de thugs e pessoas anónimas que vão para o Plateau.
(continua…)
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